A ROMÂNTICA COLCHA DE RETALHOS

Quem não tem em casa uma colcha de retalhos elaborada amorosamente por uma mãe ou uma avó, ou mesmo uma madrinha ou tia não sabe como são bonitas e aconchegantes estas peças que deixam lembranças marcantes.

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Algumas músicas sertanejas, principalmente as mais antigas, trazem belas melodias e letras da melhor qualidade, muitas delas cantadas na segunda pessoa, tempo verbal este que valoriza a música e a língua portuguesa quando bem empregados.

A música COLCHA DE RETALHOS  de autoria de Raul Torres é um exemplo de tudo isto, contando uma história de amor acabado, na verdade uma dor de cotovelo, como era costume dizer nos anos 70.

Vale a pena ler a letra e ouvir a música e se interessar, dar uma lida na vida do autor da letra Raul Torres e seus amigos cantores e compositores.

 

COLCHA DE RETALHOS (Raul Torres)

Aquela colcha de retalhos que tu fizeste

Juntando pedaço em pedaço foi costurada

Serviu para nosso abrigo em nossa pobreza

Aquela colcha de retalhos está bem guardada

Agora na vida rica que estas vivendo

Terás como agasalho colcha de cetim

Mas quando chegar o frio no teu corpo enfermo

Tu hás de lembrar da colcha e também de mim

Eu sei que hoje não te lembras dos dias amargos

Que junto de mim fizeste um lindo trabalho

E nessa sua vida alegre tens o que queres

Eu sei que esqueceste agora a colcha de retalhos

Agora na vida rica que estas vivendo

Terás como agasalho colcha de cetim

Mas quando chegar o frio no teu corpo enfermo

Tu hás de lembrar da colcha e também de mim.



Raul Torres cantava em dupla com seu sobrinho Serrinha (Antenor Serra também Botucatuense), dupla essa que durou de 1937 a 1942. Após a separação da dupla com seu sobrinho, foi com Florêncio (João Batista Pinto de Barretos-SP) que Raul Torres passou a cantar em dupla.


Florêncio havia tentado conciliar a profissão de Farmacêutico com a carreira artística, no entanto, com a crescente popularidade que vinha adquirindo nas rádios onde se apresentava na Capital e no Interior, acabou largando definitivamente a farmácia, e passou a se dedicar integralmente à carreira artística.

 

E João Pacífico continuava sendo um dos principais parceiros e letristas das composições celebrizadas pela dupla pioneira; ele mesmo dizia que "Ser compositor para a interpretação de Raul Torres e Florêncio é o mesmo que ter um emprego vitalício..."

 

Também eram frequentes as viagens de João Pacífico juntamente com Raul Torres e Florêncio ao Rio de Janeiro, onde gravavam seus discos.

 

A Música Caipira nessa época já vinha sendo chamada de "Música Sertaneja", e dominava cerca de 40% do Mercado Fonográfico Brasileiro.

 

A dupla Torres e Florêncio atuou no mundo fonográfico por quase trinta anos, período durante o qual a dupla lançou dezenas de discos.

 

As primeiras gravações deles se deram em 1942, e dois anos depois a dupla se consagraria com dois grandes sucessos: as toadas “Cabocla Tereza” e “Pingo d’água” ambas de Raul Torres e João Pacífico.

 

Em 1945, Torres e Florência obtiveram talvez seu maior sucesso com a moda-de-viola “A moda da mula preta”, também de Torres e João Pacífico, incluída até hoje entre os clássicos da música caipira.

 

A dupla Torres e Florêncio foi a fixadora de um estilo de canto com duas vozes mais médias e que foi o que mais influenciou outras duplas até o aparecimento de Tonico e Tinoco com um canto mais agudo.

 

As primeiras gravações da dupla Torres e Florêncio apresentam o modelo clássico de duplas caipiras com acompanhamento de violas no qual se destaca o toque refinado do violeiro Florêncio.

 

A maioria das composições gravadas pela dupla remete ao universo rural retratado em composições como “Pra lá da porteira”, “Moça boiadeira”, “Rolinha cabocla” e outras, além das anteriormente citadas.

 

Boa parte dessas obras foi composta por João Pacífico, umas sozinho, e outras em parceria com Raul Torres. Em muitas gravações também, a dupla contou com a presença da sanfona de Emílio Rieli solando como uma espécie de terceira voz. Mas o destaque mesmo era a afinação da dupla, as vozes límpidas e claras e o ponteado da viola.

 

As modas e toadas gravadas pela dupla falam de boiadas e de colheitas, de árvores e fontes de água pura, de rolinhas e outros pássaros, de lua nova e de lua cheia, sem deixar de lado o humor para cantar questões que colocavam o caipira diante de novidades da cidade como “As modas femininas”, “A dama do baralho”, e “Apelido dos jogadores”, entre outras.

 

No repertório de Torres e Florêncio estão toadas, modas-de-viola, emboladas, rasqueados, e cateretês, além de um ou outro samba-sertanejo.

 

Tanto Raul Torres quanto Florêncio nasceram em Barretos, cidade que se destaca como aquela que abriga há mais de 50 anos maior festa de peão de boiadeiro, e dessa forma muitas das músicas gravadas pela dupla fazem referência a esse universo das boiadas.

 

Como é o caso da moda-de-viola “Mulher baia”, de autoria do próprio Torres e que relata a dura travessia dum rio com o risco da perda da boiada.

 

Essa dupla era realmente tão afinada que Torres e Florêncio vieram a falecer no mesmo ano, 1970, momento em que música popular de maneira geral vivenciava amplas transformações que tinham se iniciado há pelo menos uma década antes.

 

As próprias duplas começavam a buscar novas formas de atuação com a utilização cada vez maior de instrumentos eletrificados e com uma temática que se distanciava a passos largos daquela que seria considerada como tradicional da música caipira.

 

Dois anos depois, a gravadora Copacabana lançou um LP

que em seu título resumiu perfeitamente o valor e a importância da dupla Torres e Florêncio: “O maior patrimônio da música sertaneja”.

 

Nesse disco, pode-se ouvir músicas emblemáticas do estilo da dupla e das qualidades vocais e instrumentais de Torres e Florêncio. Como por exemplo, na batucada “Mariazinha criminosa”, de Raul Torres, que conta com vigoroso ponteado da viola de Florêncio.

 

Ou nas modas-de-viola “Mulher baia” e “Casamento da onça”, de Raul Torres, e “Marica criolinha”, de Florêncio, mostras de uma maneira de narrar histórias que remetem a um tempo em que os violeiros mais do que entreterem as pessoas eram narradores que levavam de um lugar para outros as histórias, verdadeiras ou não, que eram contadas e recontadas nas noites de luar. E nesse mister, poucas duplas podem se ombrear com Raul Torres e Florêncio.








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