REFLEXÕES SOBRE AS RECENTES ALTERAÇÕES DA LINDB (LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO)

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REFLEXÕES SOBRE AS RECENTES ALTERAÇÕES DA LINDB 




Maria Helena Diniz


Doutora em Teoria Geral do Direito e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Livre-Docente e titular de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, por concurso de títulos e provas. Professora de Direito Civil no curso de Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São  Paulo  -  PUCSP. Professora de Filosofia do Direito, de Teoria Geral do Direito e de Direito Civil Comparado nos cursos de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em  Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Coordenadora do Núcleo de  Pesquisa  em Direito Civil Comparado nos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Presidente do Instituto Internacional de Direito (IID), São Paulo (Brasil).



RESUMO

Este artigo procura: 1) analisar à luz de critérios hermenêuticos os arts. 20 a 30 da LINDB, acrescentados pela Lei n. 13.655/2018, que busca: reforçar o ônus de motivação das decisões administrativas; fortalecer a segurança jurídica nas relações entre administração pública e administrados; incrementar a participação da sociedade nas decisões públicas, mediante compromisso e consultas públicas; aperfeiçoar as funções de tomadas de decisão, requerendo a consideração de efeitos práticos (jurídicos e administrativos), oriundos da atividade decisória; traçar diretrizes à interpretação de normas sobre gestão pública etc.; e 2) esclarecer que, diante da grande utilização de conceitos vagos ou indeterminados, a Lei n. 13.655/2018 poderá conduzir a interpretações díspares; dificultar a atuação de órgãos de controle; gerar insegurança e contribuir para a impunidade no setor público.


PALAVRAS-CHAVE: Motivação decisória; Decisão de invalidação; Interpretação de norma sobre gestão publica; Regime de transição; Revisão administrativa; Compromisso administrativo; Acordo substitutivo; Responsabilidade subjetiva do agente;


1. OBJETIVO DA LEI N. 13.655/2018

Não se pode negar que o objetivo da Lei 13.655/2018, ao introduzir na LINDB os arts. 20 a 30, em busca de segurança jurídica, foi:


a) aprimorar a qualidade decisória dos órgãos administrativos, de controle ou judicial no nível federal, estadual ou municipal, ao concretizar a motivação decisória e ao definir balizas à interpretação e a aplicação de normas sobre gestão pública;


b) estabelecer um regime para que as negociações entre autoridades públicas e particulares contenham transparência, e eficiência, por permitir o diálogo. Deveras, há participação do cidadão na decisão da Administração Pública, pois: a edição de atos normativos com exceção dos de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação dos interessados; a celebração de compromisso processual é admitida legalmente para afastar irregularidades e solucionar divergência; a previsão de regime jurídico de transição será indispensável em caso de nova interpretação ou orientação sobre norma de conteúdo indeterminado e


c) admitir a responsabilidade subjetiva do agente público que atuar dolosamente ou cometer erro grosseiro.

Os arts. 20 a 30 da LINDB visam, apesar de terem conteúdo permeados de conceitos indeterminados  semanticamente,  proteger  a  sociedade  contra  incerteza,  riscos  e  custos excessivos, trazendo segurança jurídica, ao promover uma participação de todos para a obtenção de vantagens particulares ou coletivas e, ao impor à autoridade competente um esforço intelectual, conducente à motivação de sua decisão e à análise de seus efeitos práticos e de outras possíveis alternativas adequadas ao caso, trazendo racionalidade às decisões (administrativas, judiciais ou de controle). Logo, os agentes públicos terão um ônus argumentativo adicional: demonstração da análise das peculiaridades, das dificuldades do caso e do diálogo com o gestor público.


Há, indubitavelmente, uma pretensão de aprimorar a segurança jurídica na Administração Pública, racionalizando o exercício de suas funções e seu controle interno ou externo, que deve ligar-se à transparência, eficiência e governança pública. (SILVA, 2018)



2. ABSTENÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DECISÃO COM BASE EM VALORES JURÍDICOS ABSTRATOS

O art. 20 da LINDB visa estabelecer que as esferas administrativa, controladora ou judicial não decidam o destino dos envolvidos tendo por suporte valores jurídicos, abstratos, como princípios (moralidade administrativa, universalização, economicidade, livre iniciativa) ou fórmulas genéricas (interesse geral, bem comum etc.), sem que sejam consideradas as consequências práticas (jurídicas e administrativas) da decisão, ou seja, os efeitos sobre bens e direitos alheios que adviriam de suas decisões, averiguando, para tanto, vetores sociológicos, morais, jurídicos, políticos ou ideológicos.


Com isso, reforçar-se-á a responsabilidade decisória da autoridade, diante de incidência de norma, cujo conteúdo comporta mais de uma solução, visto que deverá motivar sua deliberação, demonstrando a necessidade de medida imposta ou da nulidade decidida.


Consagrado está o princípio da motivação concreta e a responsabilidade pelas consequências práticas ou reais que possam advir da decisão. Tais consequências seriam alusivas a direitos ou fatos contidos nos autos processuais? Ou estariam ligadas a efeitos que, ulteriormente à decisão, atingiriam direitos na realidade fática? Diriam respeito à preservação, ou não, de direitos garantidos, após o ato decisório?


O art. 20 abre espaço ao subjetivismo, visto que cada autoridade ao analisar o caso, terá liberdade para avaliar a consequência prática a seu modo, com base em sua mundividência, ou em sua ideia de valor social, moral ou ético ou, ainda, no condicionamento social de suas ideias.

 

A locução consequência prática da decisão contém uma amplitude de significados (p. ex. multa, suspensão ou destituição de cargo, ressarcimento de dano, perda de bens etc.). Se assim é, a intenção da lei foi impor ao julgador a consideração de problemas éticos, sociais, econômicos?



3. VEDAÇÃO DE MOTIVAÇÃO DECISÓRIA PRINCIPIOLÓGICA

A autoridade, na motivação de sua decisão, como decorrência do Estado de Direito, deverá expor os fundamentos de fato e de direito e efetuar sua avaliação, tendo por suporte os elementos idôneos (fáticos ou jurídicos) coligidos no processo administrativo, de controle ou judicial, demonstrando a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste processo ou norma administrativa à luz das possíveis alternativas (art. 20 parágrafo único).


Assim sendo, a decisão, que envolve política pública, sairá do campo da idealização e entrará na órbita da concretização, pois não poderá prolatar decisão fundada em valores jurídicos abstratos ou em princípios, sem considerar o impacto das consequências praticas dela oriundo.


Se houver uma solução legislativa, o gestor público, controlador ou juiz, não poderá deixar de aplicá-la, dando preferência a um princípio, a uma cláusula geral, a um valor jurídico abstrato, por conter conteúdo amplo ou indeterminação semântica.


Com isso reforçar-se-á a responsabilidade decisória da autoridade, diante da incidência de norma cujo conteúdo comporta mais de uma solução, visto que deverá motivar sua deliberação, demonstrando a necessidade da medida imposta ou da nulidade decidida, por não haver outra alternativa jurídica. Como poderia o tomador de decisão, antecipar as consequências futuras do ato decisório e averiguar as possíveis alternativas, se apenas tem conhecimento das informações contidas nos autos, apresentadas pelos interessados? Como poderia ele verificar fatos, impactos e possíveis alternativas? Não haveria, no art. 20, uma inversão do onus probandi, que é da alçada do gestor e não do tomador de decisão? Isso não transformaria a atividade julgadora em administrativa, visto que o órgão decisório deverá, ao analisar as consequências práticas da decisão, exercer “papel” de administrador? (MARTINS, 2008, p. 269; Jornal do Advogado n. 438, 2018.(Sancionada, LINDB ainda divide opiniões).


4. EFEITOS DE INVALIDAÇÃO DE ATO CONTRATO, AJUSTE, PROCESSO OU NORMA ADMINISTRATIVA

Prescreve o art. 21 e § único da LINDB que a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, invalidar ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, deverá indicar, expressamente os seus efeitos futuros, ou seja, suas consequências práticas (jurídicas e administrativas), pois podem: envolver os interessados, causando-lhes prejuízo ou a terceiros de boa fé; gerar custos para os envolvidos; prejudicar a Administração Pública; agravar situações; atingir direitos coletivos etc.. Se assim é, o tomador de decisão deverá, antes de invalidar o ato, não só averiguar a incidência da invalidação no mundo fático, os custos que gerará, as pessoas que afetará, o conjunto de circunstâncias imprescindíveis para a existência do ato, mas também como se dará sua regularização, apontando, mediante exame motivado, o que deverá ser feito ou desfeito, de forma proporcional e equânime, em decorrência daquela nulidade, sem que haja prejuízo aos interesses gerais, visto que não se poderá, conforme as peculiaridades do caso, impor aos atingidos perdas ou ônus anormais ou excessivos.


Consequentemente, claro está que o agente público (administrador, juiz ou controlador) deverá, antes de decretar a invalidação, apurar as previsíveis consequências jurídicas e administrativas de sua decisão. 


Todavia, como poderia o julgador prever quais seriam as consequências jurídicas e administrativas de sua decisão se só tem em mãos os relevantes dados constantes nos autos? Teria de analisar a realidade fática para averiguar as consequências do ato praticado e demonstrar quais os efeitos danosos que poderiam resultar

da invalidação?1 (MOREIRA, 2015, pp. 33 a 35)




5. CRITÉRIOS DECISÓRIOS INTERPRETATIVOS

Há quem ache que o art. 22 da LINDB constitui um avanço ao aprimoramento da qualidade da decisão por apresentar parâmetros para:


1. a interpretação e aplicação do direito público, inclusive na análise sobre a regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, aperfeiçoando a transparência de órgãos públicos de controle, aumentando sua responsabilidade e trazendo para o direito público a idéia de equidade, uma vez que o operador deverá considerar: a) limites constitucionais, sem olvidar do critério da especialidade e do hierárquico em caso de antinomia normativa; b) obstáculos e dificuldades reais do gestor; c) exigências para uma eficiente política pública a seu cargo; d) finalidades sociais, ou seja, as circunstâncias práticas, que houverem condicionado a ação do agente, atendendo ao objetivo público, aos interesses do povo e do erário e às peculiaridades do caso concreto;


2. a aplicação de sanções que deverá ter por critério: a) a natureza e a gravidade da infração cometida; b) os prejuízos dela resultantes para a administração pública; c) as circunstâncias agravantes ou atenuantes; d) os antecedentes do agente; e) a dosimetria das demais sanções de igual natureza e atinentes ao mesmo fato.


O art. 22 procura uma relativa proteção contra consequências negativas e decisão administrativa ilegal, mas tal esforço cai por terra por dar margem a uma interpretação casuística, marcada pelo subjetivismo. Deveras, como poderia o tomador de decisão, baseado nas informações contidas nos autos apurar “obstáculos”, “dificuldades do gestor” e “exigências das políticas públicas a seu cargo”? Não haveria uma flexibilização negativa da responsabilidade de se considerar, ao apreciar o caso “sub examine”, os obstáculos e dificuldades do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo?


Difícil será concretizar a forma dessa interpretação analítica e empírica ante o conteúdo aberto do art. 22. Quais seriam as “normas sobre gestão pública”; “obstáculos e dificuldades reais do gestor”; “exigências políticas públicas a seu cargo”?


Qual o sentido e o alcance do art. 22? Esse dispositivo conduz ao casuísmo e subjetivismo pois requer juízo valorativo. Como um juízo baseado em circunstâncias práticas poderia conduzir à segurança jurídica, se envolve apreciação valorativa, ética ou sociológica dos resultados, mas também análise daquelas circunstâncias que condicionaram a ação do agente, ou seja, das particularidades concretas do caso?2 (ARAGÃO, 2015 pp. 20-22)


Se o art. 22 requer juízo valorativo, sobre conduta do gestor público, na interpretação de normas de gestão pública, como poderia trazer estabilidade? Se administrar é interpretar normas de gestão pública para aplicá-las a casos concretos, parece-nos que o art. 22 deveria ter como destinatário o gestor público e não o tomador de decisão.


(1 Processo TCU/CONJUR: TC 012.028/2018-5- pp. 18 a 21 (http://direito adm. com. br/proposta – de – alteração – da lindb – projeto – 349 – 2015).

2 Processo TCU/CONJUR; TC – 012.028/2018-5 pp. 21-33 – (http://direito adm.com.br/ proposta – de- alteração

– da lindb – projeto 349/2015).

 


6. REGIME JURÍDICO DE TRANSIÇÃO

Se, pelo art. 23, a decisão administrativa, controladora ou judicial vier a estabelecer nova interpretação ou orientação sobre norma de conteúdo indeterminada, impondo novo dever ou novo condicionamento do direito, gerará instabilidade e, por isso, deverá, em nome da proteção da confiança e do bom senso, prever regime jurídico-administrativo de transição se for indispensável para que haja, no caso concreto, cumprimento da nova obrigação de modo proporcional, equânime e eficiente sem prejuízo aos interesses gerais.


Realmente, qualquer mudança de entendimento sobre norma de conteúdo indeterminado, ou qualquer extinção de ato administrativo poderá retirá-lo, p. ex., do cenário jurídico, convalidá-lo ou suprimir seus efeitos ex tunc ou manter os efeitos ex nunc; logo, a decisão administrativa deverá prever regime de transição que seja favorável ao administrando, concedendo-lhe tempo e meios para se adaptar à nova interpretação ou orientação, evitando riscos, instruções processuais protelatórias etc..


Procura-se proteger, portanto, a relação jurídica já constituída e a boa-fé existente entre administrados e poder público, assegurando o direito a uma solução não abrupta, garantindo que as alterações sejam conformes ao ordenamento jurídico, possibilitando aos administrados a identificação de alternativas disponíveis e a extensão de suas consequências, viabilizando a segurança jurídica.


Surgem dúvidas: Quem deverá averiguar a indispensabilidade ou não do regime jurídico de transição? O tomador de decisão? O autor da conduta considera irregular? O Tribunal de Contas (CF,art. 71, IX)? (SILVEIRA, 2015, pp. 23-25; PEIXOTO, 2018)




7. REVISÃO ADMINISTRATIVA E TEMPUS REGIT ACTUM

Pelo art. 24 § único da LINDB, em caso de revisão, no âmbito administrativo, controlador ou judicial, relativa à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se completou, dever-se-á considerar as orientações gerais da época, que são interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial, ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público, abrangendo lei. precedentes, atos administrativos etc.

 

Conforme a norma de direito intertemporal tempus regit actum, há o dever de, na análise do caso concreto, considerar as orientações gerais vigentes na época em que houve sua ocorrência, para preservar a relação jurídica existente antes da mudança da norma. Vedada está a aplicação retroativa da novel interpretação da validade do ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, por haver ofensa à segurança jurídica e à estabilidade das relações jurídicas já consolidadas. Este dispositivo fortalece a irretroatividade do direito, resguardando situação constituída de boa fé de conformidade com a lei vigente na época. (DALLARI, 2015, pp. 31-32)




8. COMPROMISSO ADMINISTRATIVO

Com o escopo de sanar ou eliminar eventual irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, pelo art. 26, a autoridade administrativa e interessados após oitiva do órgão jurídico (AGU, PGM, PGE) ou a obtenção de resposta em consulta pública, para que haja maior transparência, representatividade e segurança terão possibilidade de celebrar acordo administrativo, que colaboraria para uma cooperação público-privada, possibilitando uma negociação de relevante interesse geral sobre o conteúdo da decisão, evitando que o processo administrativo seja decidido por ato unilateral da autoridade e conduzindo à celebração de um compromisso administrativo.


Tal compromisso visa substituir o processo administrativo e deverá preencher alguns requisitos: a) observância da lei aplicável; b) obtenção de uma solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; c) impossibilidade de conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; d) previsão clara das obrigações das partes, do prazo para seu cumprimento e das sanções cabíveis na hipótese de descumprimento. (PALMA, 2015, pp. 26-28; PEIXOTO, 2018)




9. COMPENSAÇÃO POR BENEFÍCIO INDEVIDO OU PREJUIZO INJUSTO

O art. 27 §§ 1º e  2º da LINDB consagra a consensualidade administrativa, ao admitir a celebração de acordo substitutivo, fundado em razão de relevante interesse geral.


Tal permissão genérica do art. 27, ao prescrever que a decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor ou exigir compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes da conduta dos envolvidos ou do processo; sem que haja necessidade de abertura de outro processo para analisar fatos ocorridos no curso da demanda. Assim, os próprios interessados poderão por meio de compromisso processual prevenir ou solucionar controvérsia, sanar irregularidades etc..


O acordo substitutivo não é uma transação privada (CC, art. 840), nem contrato administrativo, mas um negócio jurídico processual (CPC, art. 190), permeado pelo consenso que deverá seguir os parâmetros do art. 20 da LINDB, para compor os interesses dos envolvidos. Com isso, corrigir-se-ão situações em que o erro é irreversível, pois a compensação seria um modo de alcançar o interesse público e de evitar que as partes privadas ou públicas, em processo na esfera administrativa, controladora ou judicial, recebam vantagens indevidas ou sofram danos anormais ou injustos oriundos do próprio processo ou do comportamento dos interessados.


O julgador deverá, tendo sido realizado o acordo substitutivo, motivar sua decisão sobre a compensação por benefícios indevidos ou prejuízos injustos, ouvindo previamente as partes sobre seu cabimento, forma ou valor. (ALMEIDA, 2015. pp. 43-45; PEIXOTO, 2018)




10. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO AGENTE PÚBLICO

Pelo art. 28 da LINDB, o agente público deverá responder pessoalmente por suas decisões e opiniões técnicas se agir dolosamente ou cometer erro grosseiro (culpa grave), visto que tal conduta de má fé traz sérias consequências para a sociedade.


Todavia, essa responsabilidade subjetiva do agente público não exclui a responsabilidade objetiva do Estado por ato do seu agente prevista no art. 37 § 6º da CF.


Pelo art. 28 o órgão judicante passa a ter o ônus de analisar a responsabilidade do gestor público na execução de sua atividade, averiguando se houve má fé, dolo ou erro grosseiro, abrindo caminho à impunidade e à redução da responsabilidade do administrador por ato de improbidade, afastando a idéia de responsabilização, por culpa stricto sensu, ou simples. O art. 28, de um lado restringe o jus puniendi do Estado que ficará adstrito ao campo de grave culpabilidade administrativa, pois se não houver prova do dolo ou de erro grosseiro, a responsabilidade do agente público estará afastada, mas por outro lado poderá contribuir para que o agente público evite que seu ato seja considerado doloso ou tido como decorrente de erro grosseiro.

 

Resguarda- se o administrador de boa fé, que não poderá ser penalizado pessoalmente, em caso de culpa comum, embora seu ato possa ser corrigido, permitindo que decida conforme sua avaliação técnica, mesmo que inove ou contrarie alguma opinio de órgão controlador, desde que fundamenta sua decisão3. (CRUZ e BORGES, 2018; DI PIETRO, 2015, pp. 36-39; FERRAZ, 2018)




11. GOVERNANÇA PARTICIPATIVA

É função da administração pública editar atos normativos sobre condutas gerais e abstratas para atender exigências da sociedade e as limitações do legislativo, por meio de agências reguladoras (ANVISA, ANTT etc.) e para tanto poderá haver participação dos interessados com exceção da edição de atos de mera organização interna. Pelo art. 29 da LINDB há permissão para que a edição daqueles atos normativos seja precedida de consulta pública para manifestação dos interessados, preferencialmente pelo uso de internet. Tal consulta pública será considerada na decisão, pois poderá apresentar sugestões para que a Administração Pública aperfeiçoe seu ato, analisando as contribuições oferecidas. Consagrada está a governança participativa, pois a consulta pública permitirá a oitiva de especialistas e dos administrados pelo administrador, trazendo transparência e previsibilidade à atividade estatal normativa.


A convocação para essa consulta pública deverá conter minuta do ato normativo, fixar prazo para usa realização e estabelecer as condições da consulta, observadas as normas legais e regulamentares específicas. (PEREZ, 2015, pp. 40-42)




12. FORÇA VINCULANTE DE INTERPRETAÇÃO ADMINISTRATIVA E CONTROLADORA

É dever das autoridades públicas (art. 30 § único) atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, conforme regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, que terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até que haja uma revisão posterior, visto que uniformizam o entendimento no âmbito dos órgãos administrativos. Dar obrigatoriedade a esses instrumentos não seria colocá-los no mesmo patamar das leis? Não retiraria as autoridades públicas a liberdade de apreciação, engessando entendimentos, apesar de haver possibilidade de sua ulterior revisão? Não deveria haver eficácia vinculante relativa, de forma que as autoridades públicas pudessem se afastar desses instrumentos se perceberem a singularidade do fato examinado, que apresenta, por ex., pontos divergentes ao paradigma sumular, comportando outra solução mais adequada?

3 Processo TCU/CONJUR: TC 012.028/2018-5.




CONCLUSÃO

Pela Lei n. 13.655/2015 (Lei de Segurança para a Inovação Pública) passaram a integrar a LINDB dez novos artigos (arts. 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30) dividindo opiniões de especialistas, uns entendendo que essas normas poderão trazer maior segurança, outros, que conduzirão à extrapolação de competência da atividade decisória, apesar de ter por escopo melhorar sua qualidade, e aumentar a eficiência na criação  e aplicação do direito, aperfeiçoar o controle e a transparência dos atos dos agentes públicos ao exigir avaliações de impacto de decisão no seio da coletividade.


O escopo dos arts. 20 a 30 da LINDB foi: promover uma participação de todos para a obtenção de vantagens (particulares ou coletivas); impor à autoridade competente um esforço intelectual, conducente à motivação de sua decisão e à análise de seus efeitos práticos, trazendo racionalidade à decisão; propor uma demonstração da análise das peculiaridades, das dificuldades do caso sub judice e do diálogo com o gestor público; aprimorar a segurança jurídica na Administração Pública, racionalizando o exercício de suas funções e o controle (interno e externo) para que haja transparência e eficiência na governança pública. (SILVA, 2018)


A falta de segurança jurídica não será, infelizmente, solucionada com a entrada em vigor dos arts. 20 a 30 da LINDB, apesar de conterem subsídios viáveis para aumentar aquela segurança, que é essencial para a realização do trabalho dos gestores da administração Pública e para a defesa do interesse geral.


Os arts. 20 a 30 da LINDB não trazem a segurança jurídica na sua aplicação ao direito público por conterem cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados, de conteúdo e extensão incertos (p. ex. valores jurídicos abstratos; consequências práticas da decisão; exigências políticas públicas; interesses gerais; orientações gerais da época; orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado; regularização proporcional e equânime; obstáculos e dificuldades reais do gestor etc..), que dão origem a uma linha de penumbra, conducente à ambivalência  de  interpretação  e  à  valoração  do  aplicador  sob  a  égide  do  princípio  da legalidade, pois, como diz Karl Engish (1964, pp. 174 e ss.), “normatividade carece de preenchimento valorativo”, fazendo com que haja uma “certa autonomia” em face da lei, dando azo à discricionariedade judicial ou discricionariedade na apreciação (julgamento) ou à discricionariedade administrativa (atuação do gestor público), podendo conduzir a uma significação sui generis ou até mesmo à arbitrariedade. Tal discricionariedade deverá estar voltada não só a uma valoração pessoal e objetiva, buscando a da generalidade das pessoas, a de certos setores, das concepções éticas vigentes ou, ainda, do critério do justum; mas também ao interesse público, que é em regra, livremente apreciado pelo gestor segundo seu ponto de vista ou querer, de acordo com seu dever funcional, podendo eleger a solução “A” ou a “não- A”.


Como fórmulas genéricas recheadas de vaguidade poderiam gerar segurança jurídica? Como demonstrar que a decisão adotada é a mais adequada ou que não há outra alternativa possível?


A vagueza ou a indeterminação semântica dos termos legais poderia ser resolvida, com objetividade, pelo aplicador ao analisar, no caso concreto, as eventuais dificuldades apontadas pelo texto? Qualquer parcela da norma poderá ser “sede” da discricionariedade livre, diante da textura aberta apresentada pelos arts. 20 a 30 da LINDB? O manejo de conceitos empíricos não levaria ao casuísmo, ante o risco de dominar a problemática engendrada pelos arts. 20 a 30 da LINDB?


Os arts. 20 a 30 da LINDB deveriam conter termos específicos, mais claros e objetivos, que apontassem a atuação do gestor, do administrador, do controlador e do juiz, para que se pudesse ter estabilidade e previsibilidade nas funções públicas e maior transparência administrativa.


Pela importância da sua temática os arts. 20 a 30 da LINDB deveriam estar em norma autônoma especial, no CPC ou no Estatuto da Magistratura, mediante emprego de termos claros e critérios valorativos objetivos que apontassem, minudentemente, a atuação do gestor, do administrador, do controlador e do juiz, para que haja uma real política de Estado, voltada à segurança jurídica, à eficiência da aplicação do direito público e à transparência da gestão pública.


A insegurança jurídica e a ineficiência são questões de gestão que deverão ser resolvidas pela Administração Pública e não por órgãos de controle e muito menos por alteração de critérios de interpretação de normas, baseada em conceitos vagos e ambíguos, que fazem com que a realidade fática seja valorada pelo aplicador de forma subjetiva, apesar de possibilitar, em certa medida, a diminuição de seus efeitos negativos, pois, o direito é um produto cultural e o mundo atual sofre constantes mudanças tecnológicas, mercadológicas, econômicas, sociológicas, valorativas e ambientais etc..


Bastante louvável é a intentio da Lei n. 13.655/2018, que se vê prejudicada pelos critérios apontados que conduzem, pela vagueza e indeterminação semântica, ao subjetivismo e às vezes à arbitrariedade do órgão decisório.


A insegurança jurídica é, infelizmente, uma realidade fática, valorada de forma subjetiva, logo norma alguma poderá eliminá-la, apesar de poder, em certa medida, minimizar suas consequências nefastas.



BIBLIOGRAFIA

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