Gente que faz diferença - Ascendino Thomé, O "Carreiro" 

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              O Sr. Ascendino Thomé tem uma história de vida que merece ser conhecida por todos casabranquenses!

            Nasceu aos 21 de abril de 1925 na Fazenda Garça de José Marciano, onde seu pai era retireiro; o sétimo de uma família de onze filhos, hoje conta 87 anos. Dos seus irmãos, só é viva uma das irmãs, que mora em Campinas e está com 94 anos.

            Seus pais se mudaram para a Fazenda Cachoeira de Juca Villela quando tinha quatro anos. Ele se lembra:

            “_Eu lembro quando meu pai mudou prá Cachoeira, eu tinha quatro anos e lembro que foram três conduções pra fazer a mudança e ajudei a carregar, meu pai ensinava...hoje tem muito carinho, muita capacidade, os pais põe os filhos dentro do estudo, mas eu penso sempre isso, que os pais de hoje não ensinam os filhos o que sabem, não tem paciência de explicar como são as coisas, de contar sua história...”

            Na Fazenda Cachoeira cresceu, se tornou homem trabalhador e conheceu dona Leduvirges, com quem se casou em 06 de julho de 1948 e teve doze filhos: Ana Lucia, Elza Maria, José Clóvis, Luiz Carlos, Maria Célia, Aparecido Donizete (Doni), Luzia, Luiza Helena, Ascendino Jr. (Tuca), Eduardinho (que faleceu com 13 dias), Acácio e Maria Paula; e ainda criaram a neta Cristiana; todos formaram sólidas famílias. Sr. Ascendino e dona Leduvirges vão completar 64 anos de casamento e quando visitados pela família Villela, dona Leduvirges ainda troca receitas de dona Altimira, com quem aprendeu por tantos anos a ser quituteira e sr. Ascendino ouve que não se vê nem em Goiás e Mato Grosso carreiro como ele foi......

            Foi aprendiz do carreiro Sebastião Inácio, o mais antigo das redondezas da fazenda de Zé Gabriel, no Potreiro, que explicou a ele como mexer no mato, carretão, tora, os “desenhos” que o carreiro tem que fazer da boiada, como conhecer os bois e o carro; tendo sido carreiro na Fazenda Cachoeira por trinta e três anos, quando comprou sua casa na cidade.

            Passou a morar em área urbana mas não deixou de ser cidadão rural, pois continuou a trabalhar em pomar de laranja até completar o tempo de sua aposentadoria. Mesmo aposentado, tendo o trabalho no cerne, apesar de seus oitenta e sete anos continua trabalhando. Cuida de horta, jardim, capina quintal e cuida até de alguns pezinhos de café, que apesar de novos, já lhes deram frutos no ano que passou: dez litros de café Bourbon! Tem na parede da sala de sua casa um quadro com a fotografia de uma “carretela” guiada por seu filho Zé Clóvis, puxada por dois bois que foram por ele criados desde que nasceram:

            “_ Criei e amansei prá mim trabalhar lá no curral da Fazenda Cachoeira...chegavam na porta do barracão e abaixavam as orelhas, do lado no monte de milho, eu falava prá passá prá lá, passá prá cá, eles rodeavam com o carro o monte de milho...graças à Deus, quando Deus me chamar  eu tenho uma recordação e deixo pros meus filhos...graças a Deus e com muito trabalho, deixo também  todas as ferramentas: enxada, enxadão,  machado, forca, acertadeira de barranco, arco de pua, machadinha, tenho tudo, os apetrechos completos!”

            Sr. Ascendino Thomé é um mestre na arte de carrear. Seu apelido de “CARREIRO”, colocado pelos companheiros de trabalho, demonstra o quanto ele foi bom em seu ofício, uma arte já extinta no Estado de São Paulo, mas que ainda pode ser vista e apreciada em Minas Gerais, que ainda conserva seus inúmeros carros de bois na lida do campo.

            Grande contador de histórias, é delicioso ouvi-lo contar de seus tempos de carreiro, usando termos muito íntimos seus como rabada tiradeira, cambão, soga, charrua, argola, arriata, canzil, cangueiro, boi de guia, boi de coice...carro de boi, palavras hoje desconhecidas para a maioria urbana:

            “__O carreiro tem quatro desenhos que tem que desenhar...conhecer os bois um a um... a rabada tiradeira e a soga ...a charrua e o canzil... o boi que passa de seis anos prá riba tem que ser argolado...”

            E como era de se esperar, há episódios de sua história que merecem emergir, como, nos anos de 1956/57, o gosto que deu chegar à serraria da Fazenda Cachoeira, quatro peças de madeira de um Jequitibá de 1,85m de diâmetro, que precisou de trinta e seis bois puxando o carro prá aguentar:

            “__ Quatro peças de madeira que puxei na Fazenda Cachoeira ficou na minha história: gastamos um dia inteiro pra encarretar...6 dias do mato de sapé até a serraria, aquela fileira de 36 bois...arranjadas as pranchas serradas dos dois lados, a gente falava e os bois saíam, o carretão até levantava no areião que antes era um lagoão, andava um pouco e parava até chegar em terra firme...da terra firme até quando pegamos o espigão da invernada chegando, era quatro horas da tarde!”

            Sua satisfação quando “seu” Juca Villela lhe confidenciou ter sido ele o primeiro homem a entrar no mato da usina (a Usina da Fazenda Cachoeira- que mandava a energia elétrica para toda Casa Branca!) para tirar as Ararubas que puxadas para a serraria se transformaram em vinte e seis postes colocados na Usina:

            “_Trabalhei 8 dias tirando a madeira, vinha em cima na ribanceira, cada tocão dessa largura, vinha de arrasto, arrancando, os bois virando no viradouro, arrastando morro abaixo até chegar no Congonhas...”

            Ou quando, na década de sessenta, a Fazenda Cachoeira, já sob o comando de José Leonardo, mandou o carro com doze bois para auxiliar a prefeitura na construção das pontes que unem o centro ao Jardim Macaúba e foram seus bois, com seu carro, que puxaram todo madeiramento e puseram no lugar, para construir as pontes em pleno terreno brejado! Essas pontes que aí estão, hoje concretadas:

            “_ Se visse o que era gente que nunca tinha visto o que que era um boi trabalhar! Foi colocado todo madeiramento prá passar condução, 6 peças de madeira prá base e quatro pro guarda-mão, em cada uma das duas pontes... trabalhei 4 dias com os bois!”

            A história de vida de “seu” Ascendino Thomé se entrelaça na história de nossa Casa Branca... “seu” Ascendino faz parte de nossa história...é possível se imaginar o pincel sendo por ele molhado no “azeiteiro” e o “chumaço” sendo besuntado... ele falando pro boi de guia: “-vamo vê”... e o carro sair “cantando”...ISSO É GENTE QUE FAZ DIFERENÇA!




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