Diretivas Antecipadas da Vontade
MARIA HELENA DINIZ- Titular de Direito Civil da PUCSP
A Resolução CFM n. 1995/2012 no seu art. 1º define diretivas antecipadas da vontade como um conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente sobre tratamento que quer ou não receber no momento em que não puder exprimir sua vontade.
O paciente determina, se o quiser, verbalmente ou por escrito, preferencialmente, na presença de testemunhas:
a) o tratamento que pretende receber se portador de doença terminal;
b) o repúdio a intervenção fútil; sonda de alimentação enterial; uso de máquinas de hemodiálise; internação em UTI, se não tiver chance; reanimação em hipótese de parada cardíaca ou respiratória;
c) o desligamento de aparelho de sustentação vital; etc...
O médico (art. 2º, § 3º, da Resolução CFM, n. 1995/2012) deverá considerar tais diretivas, visto que prevalecem sobre qualquer outro parecer não médico ou de familiares. Se forem feitas verbalmente, o médico deverá registrá-las no prontuário (art. 2º, § 4º).
Estas normas levantam questões polêmicas ético-jurídicas, tais como:
a)Teria o paciente direito de optar pelo tratamento a ser seguido? Poderia ele solicitar a remoção de aparelho de sustentação vital? Como ficaria a autonomia da vontade do médico, como profissional da saúde?
b) Como determinar a futilidade de um tratamento, se terapia, considerada fútil hoje, pode ser a cura no porvir?
c) Se a eutanásia ativa é homicídio, apesar do praticado por piedade, poderia gerar direito de matar?
d) Seria lícito ao médico antecipar morte de paciente terminal em razão de cláusula em testamento vital ou de pedido de familiares?
e) Não haveria o direito de defender a pessoa humana de si mesma, visto que o direito à vida, não é um direito de propriedade, por ser na verdade, um direito subjetivo “excludendi alios”, ou seja, o de defendê-la contra ato lesivo de qualquer pessoa, inclusive do próprio titular?
f) Admitir aquelas diretivas não seria o mesmo que aceitar a legalização do suicídio assistido e do homicídio piedoso?
g) Como, diante do ordenamento jurídico, acatar a eutanásia passiva (ortotanásia) que é eutanásia por omissão, por ex. deixar de usar medicamentos ou medidas que aliviem a dor; não utilizar meios artificiais para prolongar vida de paciente comatoso, por solicitação dele, feita em testamento vital, ou de familiares?
h) Se em muitas doenças, não há segurança no diagnóstico, se o prognóstico é provável ou incerto, como retirar suporte vital ou deixar de fazer certo tratamento?
i) Interrupção terapêutica que conduz à morte, não levantaria a questão da responsabilidade civil e criminal do médico?
j) Haveria amparo legal e constitucional à Resolução do CFM n. 1995/2012? Não seria inconstitucional por violar o direito à vida (art. 5º da CF), mesmo com o objetivo de atender o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) e o da liberdade de autodeterminação do paciente de escolher entre a vida e a morte? Teria ela força para alterar a Constituição Federal e o Código Penal? Poderia uma norma inferior sobrepor-se à Constituição Federal, ao Código Civil e ao Código Penal? Como o testamento vital poderia ter validade, se o seu objeto é ilícito?
k) No conflito entre dois direitos da personalidade, qual prevaleceria? O direito à vida ou o da liberdade do paciente? Qual seria o mais forte? Não seria o de viver?
l) Se ninguém pode dispor de sua própria vida, como o médico, representante ou parente poderia fazê-lo?
m) Haveria licitude na renúncia de algum tratamento ou no desligamento do tubo respiratório ou alimentador?
n) Seria lícita a ordem de não reanimar, havendo parada cardíaca?
o) Seria válida a manifestação escrita sobre as providências a serem tomadas, isentando médico da responsabilidade civil e criminal? Como admitir a validade da excludente de responsabilidade?
p) Se a Resolução CFM (art. 2º, § 1º) permite ao paciente designação de representante para um caso de sua incapacidade, traçar as diretivas de seu tratamento, essa nomeação de responsabilidade legal ou de curador para cuidar da saúde, com poder decisório sobre a vida e a saúde alheia, mediante mera comunicação dessa decisão ao médico, poderia ter eficácia e validade jurídica, diante da norma constitucional do Código Penal? Não seria, como entendem alguns autores, mais recomendável a indicação de 3 ou 5 procuradores da saúde ou da vida, para que se tenha uma decisão, por voto da maioria, sobre o tratamento mais próximo da “vontade” do paciente? Como garantir, em caso de mandato por incapacidade do paciente, a fiel execução de seus desejos? Como se nomeia esse curador? Qual seria seu papel? Verificar se a ordem dada pelo paciente está sendo cumprida ou decidir por ele, ante sua incapacidade? Seria necessário atestado médico ou ato judicial confirmando a incapacidade do paciente para que seu curador possa atuar?
q) Se, pelo CFM, não houver diretiva, nem representante, nem familiares, ou se estes últimos não forem unânimes, o médico deve fazer uso do Comitê do Bioética do hospital, da Comissão de Ética Médica do hospital ou do Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão, seria lícito, pelo ordenamento jurídico, que órgão colegiado decida sobre a saúde, vida ou morte de alguém?
r) Se aparecem problemas psíquicos, provocados pela perturbação mental do doente com a proximidade da morte ou pela informação da gravidade da doença, poderia ser válida a decisão exarada nas diretivas?
s) Se durante o tratamento surgirem descobertas terapêuticas e o paciente, que determinou sua vontade, estiver inconsciente, sua vontade deveria ser cumprida, se ele não designou curador em vida?
Tais diretivas não são absolutas, visto que pela Resolução CFM (art. 2º, § 2º), o médico poderá opor-se ao desejo do doente, que requer a prática da eutanásia, por ser contrários aos preceitos do Código de Ética Médica ou aos ditames de sua consciência. Resguardado está o direito de objeção de consciência do médico.
O direito de viver, entendemos, é superior ao da liberdade de querer morrer. A CF protege a vida e repele qualquer ato ou omissão que a viole. Logo não se pode aceitar suicídio assistido, eutanásia ativa ou passiva, ainda que previstos em testamento vital, isto porque, perante o ordenamento jurídico, a vida é um bem indisponível.
Sabemos que a lei não pode resolver todos os problemas aqui apontados, mas apenas controlá-los, propondo solidariedade humana e maior cuidado espiritual ao paciente terminal, que deve ser cercado de amor e carinho, com o mínimo de sofrimento possível para que tenha uma morte digna e haja respeito à sua dignidade como pessoa humana.
Bibliografia:
Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, São Paulo, Saraiva, 2010, p. 391 1 440;
Genival V. de França, Direito Médico, São Paulo, 1996, p. 420 e sgtes;
Márcio P. Horta, Eutanásia- problemas éticos da morte e do morrer, Bioética, 7:29;
Martin, A ética médica diante do paciente terminal, São Paulo, 1993, p. 303-9;
Pessini, Morrer com dignidade: como ajudar o paciente terminal, 1995.