Num dia quente de verão, um alegre poeta estava a cantar e a tocar o seu violão, com todo o entusiasmo. Ele viu um empresário a passar, concentrado na sua grande labuta diária que consistia em guardar comida para o inverno.
"Sr. Empresário, venha e cante comigo, em vez de trabalhar tão arduamente.", desafiou o poeta "Vamo-nos divertir."
"Tenho de guardar comida para o Inverno", respondeu o empresário, sem parar, "e aconselho-o a fazer o mesmo."
"Não se preocupe com o inverno, está ainda muito longe.", disse o outro, despreocupado. "Como vê, comida não falta."
Mas o empresário não quis ouvir e continuou a sua labuta. Os meses passaram e o tempo arrefeceu cada vez mais, até que toda a Natureza em redor ficou coberta com um espesso manto branco de neve.
Chegou o inverno. O poeta, esfomeado e enregelado, foi à casa do empresário e implorou humildemente por algo para comer.
"Se você tivesse ouvido o meu conselho no Verão, não estaria agora tão desesperado.", ralhou o empresário. "Preferiu cantar e tocar violão?! Pois agora dance!"
E dizendo isto, fechou a porta, deixando o poeta entregue à sua sorte.
Então o poeta na soleira da porta do empresário, olhou para aquele céu cinzento e frio pensando em suas poesias, nas músicas compostas, nas crianças que haviam dançado roda nos jardins floridos de verão, nos jovens embalados pelas letras românticas enamorados no portão e nas senhoras que recitavam em festas e seus saraus, recordou então de um amigo também poeta, e com um sorriso maroto, chegou perto da janela onde o empresário sentava com sua família e com sua voz forte e penetrante, começou a declamar este soneto antigo: Enfim, depois de tanto erro passado/ Tantas retaliações, tanto perigo/Eis que ressurge noutro o velho amigo/Nunca perdido, sempre reencontrado./ É bom sentá-lo novamente ao lado/ Com olhos que contêm o olhar antigo/ Sempre comigo um pouco atribulado/ E como sempre singular comigo./ Um bicho igual a mim, simples e humano/ Sabendo se mover e comover/ E a disfarçar com o meu próprio engano./ O amigo: um ser que a vida não explica/ Que só se vai ao ver outro nascer/ E o espelho de minha alma multiplica...
Ao terminar, com passos lentos e friorentos o poeta foi daquela casa se despedindo quando para sua surpresa uma porta foi-se abrindo e uma carinha pequenina e mais outra e ainda mais uma no vão sorrindo, foram todos convidando, "depressa o jantar será servido", e assim empresário e poeta naquela noite brindaram à amizade, à alegria e ao trabalho!
(Inspirado na Fábula de Esopo, A Cigarra e A Formiga. Soneto citado é de Vinicius de Moraes - Soneto do Amigo, Los Angeles, 1946)