A Falta Que Ele Me Faz

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Gosto de dar nome às minhas coisas, peguei essa mania acredito, quando ganhei a primeira vaca e coloquei o nome de Azeitona. Gosto de azeitona, claro, gosto da preta, da verde e das mais quantas cores aparecerem e a vaca se chamou Azeitona. Acredito que com o nome a relação fica mais pessoal, há mais intimidade e até companhia o nome nas coisas faz, em nome do objeto, que acredito não sabe que nome tem, mas companhia faz, sem saber que está fazendo.

 

Nos animais o nome é importante, o bicho fica mais dócil, sente-se amigo ou quem sabe até parente, e não é só o cão e o gato que prestigiam seus nomes, as vacas, os cavalos, os porcos e assim acredito, toda a arca de Noé gosta de ser batizada com um nome.

 

Há nomes variados, indicados mais para cães grandes como Rex, ou pequenos como Totó, há nomes que chamamos nomes de gente, mas quando o cão é batizado, fica bom, agradável, e se o amigo é íntimo e fica ofendido, troca-se o nome (do amigo, claro!).

 

Assim, dou nome a muitas coisas e coisinhas minhas. O nosso primeiro computador, um 486 se chamava Etevaldo e em cima do Etevaldo ficava uma tartaruguinha de pelúcia que se chamava Demócrito em homenagem ao filósofo grego e também para demonstrar a Etevaldo que havia ali mais seres pensantes além dele, (pelo menos parecia que Etevaldo pensava!).

 

Tudo isso escrevi para explicar que meu canivete, que carrego na cinta (demonstrando o grau de intimidade entre nós), desapareceu de uma hora para outra, sem avisar, nem boa noite, nem bom dia como dizem. Este sumiço aconteceu há quinze dias mais ou menos. Ele se chamava Virgulino. Virgulino Ferreira da Silva, para ser mais preciso, coincidentemente um homônimo de Lampião.

 

Desapareceu sem dizer palavras diria o poeta, mas foi mesmo assim, não sei o porquê, não houve brigas, sequer pequenas ranhuras no relacionamento. Era companheiro fiel, e esta fidelidade de estar sempre ali quando eu precisava, foi o que mais me feriu, cortou meu coração (tratando-se de um canivete, ferir não é tão estranho assim). Quando colocava a mão na cintura lá não estava mais ele para abrir os sacos de ração, finalizar os nós de barbante, descascar as laranjas que saciam a fome e a sede, afinar a ponta de uma vara, auxílio para caminhadas, picar um fumo de corda (era sua especialidade), e acreditem, até desparafusar certos parafusos de menor complexidade o bravo Virgulino dava conta do recado. Não era suíço, Virgulino era brasileiro-caipira. Enfim, com este sumiço, tive até vontade de escrever um livro, com o título já manjado, A Falta que Ele me Faz.

 

Por outro lado, pensei no meu egoísmo para com meu companheiro Virgulino, o sujeito tinha o direito de dar uma volta, fazer uma viajem, quem sabe um cruzeiro, visitar as ilhas Gregas, Aruba, Cancún que dizem ser uma beleza, praia, sol e tudo mais que poderia fazer das férias de Virgulino o descanso perfeito, merecido, não somente pelo trabalho, mas também pela amizade que comigo partilhava. Consolei-me.

 

Assim vivi dias solitários e difíceis, sempre a olhar pela janela, atender todas as portas na esperança de um retorno que a cada dia parecia mais improvável. Cheguei a pensar em sequestro, mas logo vi que já nascia ali em minha mente uma pequena neurose pela ausência do amigo. Quem sequestraria Virgulino? Que resgate se poderia pedir? Que valor? Bobagem!

 

Terminando como um conto de fadas, em que tudo no final se encaixa, ao entrar em meu veículo após o almoço, percebo, ouço, não sei dizer, algo de estranho, e olhando debaixo do banco lá estava Virgulino me fazendo uma surpresa, de escondidinho saltando para os meus braços! Virgulino você voltou, exclamei! Agi como o pai na bíblica história do filho pródigo, não perguntei se havia gasto todas as suas economias, não perguntei se estava arrependido, sequer perguntei para onde havia se esvaído, apenas o abracei, e mandaria matar em comemoração pela sua volta o meu melhor novilho se Virgulino não fosse vegetariano.  Somente então entendi porque neste dia o sol havia nascido mais brilhante, o ar estava mais leve, a brisa carregava o aroma das flores, é assim mesmo quando os Virgulinos, os Rexs, os Totós, as Bigs, os Bobs,  voltam para os nossos braços!

 






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