Estava eu em uma cidade vizinha buscando conserto hidráulico de uma lâmina de trator quando encontrei a oficina, entrei e percebi que os dois funcionários estavam ocupados conversando com dois fregueses.
Lá fiquei esperando e fui escutando o que eles conversavam já que não havia como tampar os ouvidos, mesmo porque a conversa não tinha carácter particular. Os dois homens falavam sem parar sobre os milagres de um cidadão já falecido considerado santo por alguns aqui de nossa região.
Aquilo durou mais ou menos uns trinta minutos ou mais, e eu apenas ali observando já que não podia ir embora sem deixar a peça com os mecânicos e aproveitando este tempo, comecei a observar o afinco com que eles afirmavam e replicavam e um discurso repetitivo e realmente cansativo. Iam de mulheres aprisionadas em correntes, crianças a saírem andando deixando para trás a cadeira de rodas, exorcismos entre outras dezenas mais de acontecimentos curiosos.
Assim percebi que todo aquele consciente desespero em passar suas crenças e talvez arrebatar mais uma boa alma para a fileira dos crentes, nada mais era que uma dúvida inconsciente em tudo aquilo que eles falavam.
O problema mundial da religião é exatamente este. O crente nunca é feliz sozinho, porque sua dúvida inconsciente se dissipa mais a cada pessoa que acredita em sua precária fé. Desta forma, quanto mais melhor, porque a quantidade dá impressão de que trilha o caminho certo.
O mais interessante de tudo é que quando aquele que não acredita nas palavras do crente ou duvida da santidade do cidadão em questão, imediatamente começa a ser ameaçado sobre o mal que pode acontecer pelo motivo desta descrença.
No início o sujeito era de uma santidade incomparável, de uma bondade sem limites, incapaz de fazer mal a uma mosca, mas quando há indício de descrença do ouvinte, ele (o santo), passa a ser um sujeito pronto a enviar do alto dos céus as maiores desgraças, doenças, raios, pestes, acidentes e tudo aquilo que (creio eu), um santo homem nunca faria.
Quando enfim foram embora, fiquei observando aqueles dois descrentes desesperados em acreditar e fui feliz entregar minha encomenda.
