No dia-a-dia, nos embaralhamos em afazeres contínuos e muitas vezes ficamos paralisados diante da próxima tarefa nos perguntando o que é mais importante para se fazer, ou qual o tempo mais oportuno, ou ainda, qual é a pessoa que mais necessita de nossa atenção.
Então vou contar uma estória que poderá ajudar resolver nossa questão, que foi contada originalmente pelo grande escritor Tolstoy e re-contada pelo mestre zen e poeta vietnamita Thich Nhât Hanh. Aí vai:
Em uma determinada época, em um determinado
reino, um imperador sentia que somente poderia continuar a reinar satisfeito,
sem o risco de cometer nenhuma falta, se conseguisse a resposta para as
seguintes perguntas:
Qual o tempo mais oportuno para se fazer cada coisa?
Quais as pessoas mais importantes com quem trabalhar?
Qual a coisa mais importante a ser feita?
Assim, o imperador publicou uma declaração, dizendo dar um alto prêmio àquele que fosse capaz de responder às perguntas. Inúmeras pessoas se dirigiram ao palácio oferecendo diferentes respostas.
Em resposta à primeira pergunta, alguém aconselhou o imperador a fazer um planejamento completo, dedicando todas as horas, dias, meses e ano a certas tarefas constantes da programação elaborada e observá-lo ao pé da letra. Só assim teria ele possibilidade de fazer cada coisa no tempo certo. Uma segunda pessoa respondeu que seria impossível planejar com antecedência, que deveria deixar todo e qualquer divertimento vão de lado e permanecer atento a tudo, a fim de saber o que fazer na hora certa. Uma terceira disse que o imperador jamais poderia, por si próprio, ter a previsão e competência necessárias para decidir quando fazer cada coisa, e que o que ele realmente precisava era constituir um conselho de sábios e agir de acordo com o que fosse determinado por estes. Uma quarta, enfim, disse que certos assuntos requeriam providências imediatas, não podendo assim esperar por decisão de conselho, mas se o imperador quisesse saber dos acontecimentos com antecedência, deveria consultar mágicos e adivinhos.
As respostas à segunda pergunta também não foram satisfatórias. Uma pessoa disse que o imperador deveria depositar toda sua confiança nos administradores, outra, nos padres e monges, outra, nos médicos, e, outras ainda, nos guerreiros.
A terceira pergunta trouxe uma variedade similar de respostas. Alguns disseram que a coisa mais importante a fazer era a ciência. Outros falaram em religião. Outros ainda achavam que a coisa mais importante era a arte bélica.
Como nenhuma das respostas satisfez o imperador, nenhum prêmio foi concedido.
Após refletir por várias noites, o imperador decidiu sair à procura de um eremita que vivia na montanha, e que diziam ser um homem iluminado. Sabia-se que ele jamais deixara a montanha e não recebia ricos nem poderosos, apenas os pobres. Ainda assim, o imperador decidiu ir ao seu encontro para fazer-lhe as três perguntas. Disfarçado de camponês, o imperador ordenou aos criados que o esperassem ao pé da montanha enquanto ele subiria sozinho.
Ao chegar ao lugar em que vivia o eremita, o imperador viu-o lavrando a terra da horta em frente à sua pequena cabana. Ao avistar o forasteiro, o eremita acenou-lhe com a cabeça, continuando a capinar. O trabalho era bastante duro para um homem daquela idade, e toda vez que enterrava a enxada na terra, para revolvê-la, um profundo suspiro acompanhava seu movimento.
Acercando-se dele, o imperador falou: "Vim até aqui para pedir sua ajuda. Quero que me responda três perguntas:
Qual o tempo mais oportuno para se fazer cada coisa?
Quais as pessoas mais importantes com quem trabalhar?
Qual a coisa mais importante a ser feita?
O eremita ouviu-o atentamente, mas não respondeu. Deu uma palmadinha amistosa no ombro do forasteiro e continuou seu trabalho. O imperador então disse: "Você deve estar cansado, deixe-me dar uma mão no seu trabalho". Agradecendo, o eremita passou-lhe a enxada e sentou-se no chão para descansar.
Depois de ter cavado dois canteiros, o imperador parou e, voltando-se para o eremita, repetiu suas três perguntas. Em vez de responder, o eremita levantou-se e apontando para a enxada disse: "Por que não descansa agora? Eu posso retomar o meu trabalho de novo". Mas o imperador não lhe passou a enxada e continuou a cavar. Assim se passaram as horas, até que o sol começou a se esconder atrás da montanha. O imperador colocou a enxada de lado e falou ao eremita: "Eu vim até aqui para ver se você seria capaz de responder minhas três perguntas. Mas se não puder respondê-las, por favor, me diga, para assim eu voltar para casa".
Levantando a cabeça, o eremita perguntou: "Está ouvindo os passos de alguém correndo ali adiante?" O imperador voltou a cabeça e, de repente, à frente de ambos, surgiu de dentro do mato um homem com longa barba branca. Ofegante, o homem tentava cobrir com as mãos o sangue que escorria do ferimento no estômago, avançando em direção ao imperador, antes de tombar ao chão, inconsciente. Abrindo a camisa do homem, o imperador e o eremita viram que ele havia recebido um corte profundo. O imperador limpou a ferida, usando sua própria camisa para atá-la, mas o sangue empapou-a inteira depois de poucos minutos. O imperador então enxaguou a camisa, enfaixando a ferida pela segunda vez, assim continuando, até parar de sangrar.
Ao recobrar os sentidos, o homem pediu água. O imperador foi até o rio e trouxe-lhe uma cumbuca de água fresca. Nesse meio tempo a noite já havia descido e o frio se fazia sentir. O eremita ajudou o imperador a carregar o homem até a cabana onde o deitaram sobre a cama. O homem fechou os olhos e adormeceu.
Esgotado por ter passado o dia escalando a montanha e capinando a terra, o imperador encostou-se contra a porta de entrada e adormeceu. Quando despertou, o dia já estava claro. Por um momento, não se lembrava onde estava e para que tinha ido até ali. Esfregou os olhos e viu o homem ferido que, deitado, também olhava confuso ao redor. Ao ver o imperador, o homem fixou-o, murmurando com voz fraca:
"Perdoe-me, por favor".
"O que fez você para que eu o perdoasse?" - respondeu o imperador.
"Vossa Majestade não me conhece mas eu o conheço. Eu era seu inimigo declarado e tinha jurado me vingar por meu irmão ter sido morto na guerra e por minhas propriedades terem sido confiscadas. Quando soube que Vossa Majestade vinha sozinho até aqui, resolvi surpreendê-lo no seu caminho de volta, e matá-lo. Como não consegui vê-lo após ter ficado escondido por horas a fio, decidi sair à sua procura. Mas em vez de encontrar Vossa Majestade, dei com seus criados que me reconheceram e me feriram. Felizmente consegui escapar e correr até aqui. Se eu não o tivesse encontrado, estaria certamente morto agora. Eu tencionava matá-lo e Vossa Majestade salvou a minha vida. Não tenho palavras para expressar o quanto estou envergonhado e agradecido. Se eu conseguir me recuperar, juro ser seu servo pelo resto de minha vida e o mesmo ordenarei aos meus filhos e netos. Por favor, dê-me o seu perdão".
O imperador sentiu uma extraordinária satisfação por ver que havia se reconciliado com um ex-inimigo, tão facilmente. Não só lhe perdoou como também prometeu devolver-lhe todas as propriedades e mandar seu próprio médico e criados tratarem-no até que se recuperasse totalmente. Depois de ordenar aos criados que acompanhassem o homem até seu lar, o imperador voltou a ver o eremita. Queria, antes de retornar ao palácio, repetir suas três perguntas, uma última vez. Encontrou o eremita agachado, semeando a terra que haviam preparado no dia anterior. Este, após ouvir novamente as perguntas do imperador, disse: "Mas suas perguntas já foram respondidas". "Como assim?" - indagou o imperador intrigado.
"Ontem, se Vossa Majestade não tivesse compadecido de mim e me ajudado a cavar a terra, teria sido assassinado por aquele homem ao voltar para casa. Portanto, o tempo mais oportuno foi o tempo em que esteve cavando os canteiros, a pessoa mais fui eu, e a coisa mais importante a fazer foi me ajudar. Mais tarde, quando o homem ferido apareceu, o tempo mais oportuno foi o tempo em que esteve tratando de seu ferimento, pois sem seu socorro ele teria morrido e Vossa Majestade teria perdido a oportunidade de reconciliar-se com ele. Da mesma forma, ele foi a pessoa mais importante, e a coisa mais importante foi cuidar de seu ferimento. Lembre-se de que só existe um tempo importante e esse tempo é o agora. O presente é o único tempo sobre o qual temos domínio. A pessoa mais importante é aquela que está a sua frente. E a coisa mais importante é fazer essa pessoa feliz".
Aprecio muito este conto. Quando o li pela primeira vez foi de grande auxílio, é uma estória do estilo dos tradicionais contos zen, que sempre trazem um significado prático e uma mensagem que reforça a vida tranquila, pacífica e equilibrada. Interessante que é contada por um escritor russo, mas que apreciava a vida simples.
E aí, você gostou? Se gostou, agradeça ao grande escritor russo Tolstoy que como todos sabem, entre outras grandes obras como Guerra e Paz, também escreveu um 'livrinho' (livrinho porque tem poucas páginas), chamado A Morte de Ivan Ilitch, bastante inspirador. Até mais. Abraços!
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