Quando eu era um jovem pai sentia grande alegria em ouvir do meu quarto, as risadas dos meus filhos pequenos e seus amigos, naquela algazarra que somente as crianças são capazes de organizar. Hoje que estou mais velho, ainda sinto o mesmo prazer em continuar ouvindo meus jovens filhos conversando com seus amigos naquela algazarra que somente os jovens são capazes de organizar.
Juventude e alegria se misturam, sabemos porque já fomos jovens e é gostoso reparar nas praças, ruas, clubes, cinemas, sorveterias, a moçada conversando, falando alto, meninas e meninos lindos irradiando uma energia poderosa que não é limitada pela classe social destes jovens, a alegria os une.
Outro dia encontrei alguns amigos dos meus filhos recém-formados na faculdade e aquele clima leve, jovial nos envolveu novamente, as risadas logo apareceram e tive numa reflexão momentânea vontade de dizer e não disse e que agora direi:
Meus jovens, após a formatura (seja técnico ou superior), ou mesmo aqueles que por opção ou necessidade pularam esta etapa estudantil, vocês naturalmente começam a procurar um lugar ao sol dos profissionais. Abrir uma oficina, um consultório, um escritório, um emprego, uma empresa, uma casa comercial, um restaurante, um ateliê, um concurso, enfim, algo relacionado com o aprendizado obtido, aptidão ou necessidade. Tudo muito bom, o início é sempre difícil, mas as experiências do dia-a-dia vão se acumulando e a coisa começa a deslanchar, o dinheirinho vai entrando, para alguns mais devagar, para outros mais abundante, não importa, ocorre que, com o passar do tempo, as responsabilidades com o ofício, o lento mas inexorável avanço da idade, as preocupações com os créditos e débitos a saldar, o dia que parece ficar mais curto, a visão que não alcança mais o horizonte, a impaciência e a busca por resultados imediatos, a escalada para o cume da montanha que a cada passo mais se distancia, a competição ora encarada como incentivo agora considerada guerra contra os inimigos, a postura diante da profissão como se um título tivesse o poder de fazer um ser humano superior a outro, tudo isto vai devagar minando a alegria natural, a jovialidade, o sorriso fácil e a metamorfose se inicia, de um rosto alegre para uma seriedade constante, de um sorriso comunitário para um solitário cumprimento sem alma, e o rosado das bochechas se acinzentam, as rugas de expressão germinam, o leve palpitar de um coração se transforma num pesado bombear, os passos já não são mais suaves e sem perceberem vocês começam a adentrar ao vale dos zumbis. Portanto cuidado, eu já estive neste vale e a saída é difícil e trabalhosa. Há aqueles que juram nunca ter descido ao vale, mas são raros. Uma história que me foi contada talvez prolongue o espírito jovial. Em uma certa época de um certo lugar os filhos dos Reis se reuniram e resolveram fundar um clube, mas neste clube somente seria admitido como membro quem fosse filho de um Rei e nada mais. Assim quiseram e assim fundaram o clube. Logo de início observaram que tinham um grande problema a enfrentar, pois todos eram príncipes, filhos de Reis e viviam na abundância e facilidade que vivem os príncipes e no clube, como sabido, era terminantemente proibida a entrada de qualquer cidadão que não estivesse nesta condição real, assim, quem lavaria os pratos, as latrinas, os assoalhos? Quem apararia a grama, escrituraria a contabilidade, a tesouraria, quem trabalharia na enfermaria, quem construiria os edifícios, amassaria o barro, limparia as piscinas? Quem faria projetos de expansão, quem serviria as mesas, elaboraria as refeições, lavaria os pratos? Quem ficaria na portaria, atenderia aos telefonemas, trocaria as lâmpadas queimadas, limparia os lustres de cristal? Percebendo a situação praticamente sem solução, resolveram distribuir as tarefas entres eles mesmos, cada um se responsabilizando por um setor, mas todos, independentes de seu ofício, igualmente filhos de um Rei.
Acredito que a visão de uma vida em um planeta onde todos somos igualmente importantes, apenas nos dividindo em diferentes tarefas para manter o 'clube' em ordem, traga ao nosso espírito um pouco de tranquilidade, fazendo perceber que a vida é apenas um lapso temporal e que o nosso ofício é apenas uma forma de colaboração com todos que partilham do mesmo clube.